O que é um portfólio? O que fazer quando chega a hora de decidir quais as fotos que farão parte dele? Invariavelmente, esse momento implica em desapego, poder de síntese e olhar crítico – senão dizer preciso. Rosely Nakagawa fala sobre as dificuldades e mostra como pode ser atenuada essa verdadeira operação de guerra para o fotógrafo.

Um trabalho sobre a mesa
Rosely Nakagawa aceitou o convite do Fotosite e realizou uma edição de fotos com a finalidade de organizar um portfólio. Aliás, fez o que chama de simulação. O ideal, diz ela, seria estar diante do autor. “É ele que tem de me dizer o que quer fazer com o trabalho. Posso enxergar uma coisa que ele não está vendo ou posso ver algo que ele nem está querendo divulgar”, ensina. O autor, Lin Zhen Li, encaminhou para a curadora o texto em que fala sobre o trabalho Sertão à Vista.

Fotosite: O que é o portfólio?
Rosely: Portfólio é uma maneira de você tornar portátil alguma coisa. Portfólio quer dizer portando folhas, não sei se literalmente é assim mas, enfim, é como você encontra uma maneira de levar uma coisa de forma preservada. Mas, podemos também chamar de portfólio uma coisa física, que preserva um material que será mostrado, mas que também traz um conceito na sua forma de organização. O fotógrafo tem que saber o que quer mostrar. A idéia não é levá-lo simplesmente para passear.

F: É aí que começam as dificuldades?
R: É, às vezes eu sei exatamente o que quero e levo, por exemplo, meu trabalho para uma revista de viagem. Outras vezes tenho um trabalho que não se encaixa numa modalidade específica, não é uma reportagem, mas quero mostrá-lo como uma produção autoral. Aí, sim, fica mais difícil porque não tem uma pauta, a exigência é de mim para mim mesmo e é muito mais difícil se ver naquilo. É mais difícil também você dizer que não quer essa foto porque você sabe o quanto custou fazer. Mas temos de saber que o espectador, para quem a gente vai mostrar o trabalho, olha e não vê nada daquilo. Então, é uma pergunta que deve ser feita para outra pessoa. E partindo do princípio de que o portfólio envolve essa leitura de uma terceira pessoa, o mais apropriado é fazer realmente com alguém que não esteja envolvido com o trabalho.

F: Por quê?
R: Quando o fotógrafo trata de reconhecer o que faz de uma maneira mais pessoal, a dificuldade é maior. Nessas horas, você não tem uma capacidade de escolha tão definida, às vezes não existe uma franqueza total de você com você mesmo.

F: Isso ocorre na maioria dos casos?
R: Isso é uma coisa que alguns fotógrafos têm mais e outros têm menos porque exercitam mais essa capacidade. Mas mesmo fazendo a leitura crítica, sempre faz falta um terceiro olhar. Eu falo um terceiro porque você com você mesmo já são dois olhares… falta um terceiro ser que não conviva tanto com o seu trabalho e não seja tão familiarizado.

F: Como o fotógrafo busca esse terceiro olhar?
R: Ele pode ser o editor de uma publicação, o dono de uma agência de imagem ou de publicidade, um curador de museu e de uma galeria, um fotógrafo. O ideal é procurar, antes de tudo, um profissional que ele confie e que atue na área que ele está interessado. Ver livros de autores de fora, procurar saber ao máximo as questões relativas ao trabalho também é indicado.

F: Qual é o passo seguinte?
R: Antes de chegar até esses profissionais o fotógrafo tem que planejar o que a imagem pode dizer. Não adianta você mostrar imagens de natureza se você vai levar o portfólio para uma empresa de móveis. Alguma coisa tem que ter para mostrar que você sabe fotografar arquitetura, obra… Os portfólios que não têm essa definição são fruto de uma angústia.

F: Como superar essa angústia?
R: É uma operação delicada. Eu acho que existe a necessidade de um trabalho que cada vez mais o fotógrafo precisa fazer. Ele sai para fotografar – as saídas chegam de solicitações diferentes – e o material chega de volta para o espaço de trabalho e ele arquiva de qualquer jeito. Pode até colocar data, por exemplo, mas naquele dia ele pode ter feito mil coisas diferentes. Então, o que falta é o fotógrafo pegar alguns dias e trabalhar com as imagens que ele fez. Catalogando, vendo possibilidades de leitura, saber como pode aproveitá-las. E essa catalogação deve ser feita de forma que ele acesse a imagem de formas diferentes. Acho que dificilmente o fotógrafo considera essa etapa como sendo uma parte do trabalho. Ele acha que isso atrapalha suas saídas fotográficas. Isso não é fotografar, mas é pensar a fotografia.

F: É difícil quem faça isso?
R: É uma coisa que pouca gente faz. Aqui no Brasil somos pressionados a ter um trabalho que dê o mínimo de dinheiro e sendo assim não se pode perder tempo. Mas o que faz a diferença de qualidade entre os fotógrafos é a questão do quanto cada um conhece o potencial do próprio trabalho. E se ele não pára e pensa no que está fazendo de melhor, essa conscientização do próprio potencial não chega. Isso só vem de uma reflexão posterior à produção. O diferencial é justamente o fotógrafo parar, pensar e elaborar o próximo passo.

F: Montar um portfólio pode ser a chance de descobrir a força do próprio trabalho?
R: Ao fazer um portfólio acho que é a primeira vez que ele pára e pensa o que vai fazer com o trabalho. É a primeira angustia mesmo que dá. Mas, geralmente, ao final, ele fica muito satisfeito com o resultado porque parar, pensar e editar é uma coisa que dá outro olhar sobre o que foi feito. Sem contar que assim começa a surgir uma certa confiança e o fotógrafo sabe se o que está sendo feito é uma coisa legal. Quando o fotógrafo consegue fazer isso em cada produção ele tem um arquivo afinado.

F: O portfólio deve ter essa conotação de ser o fino do fino…
R: Acho que o portfólio mostra que o fotógrafo está com essa preocupação. Ele quer dar uma organizada no que está produzindo para saber qual o próximo passo. É como em uma exposição, o fotógrafo separou aquele material para mostrar porque de alguma forma ele ficou satisfeito. Depois, ele se despede do trabalho para partir para o próximo.

F: Quando um trabalho está pronto para virar um portfólio?
R:
Ele vai virar um portfólio porque já existe uma vontade de mostrá-lo para alguém. Mas esse alguém tem que estar definido. Então, tenho que ter um objetivo para esse trabalho: eu quero mostrar, eu quero publicar, eu quero expor e esse público tem que me dar um retorno. Eu quero mostrar, afinal, para alguém dar um retorno ou para eu sentir o que as pessoas vêem no meu trabalho.

F: O portfólio deve ser feito de acordo somente com esse objetivo?
R: São várias saídas possíveis e o portfólio tem que ter essa flexibilidade. Tem de mostrar que o fotógrafo é capaz de resolver os problemas, que a imagem dele pode falar e tem qualidade para estar associada a várias finalidades.

F: O portfólio denota a escolha profissional do fotógrafo?
R: O portfólio traz uma necessidade de tratamento de acabamento, de cópia, de preservação mas, ao mesmo tempo, a questão mais difícil é descobrir o que o fotógrafo quer fazer com o trabalho. É uma pergunta muito simples e difícil de responder porque às vezes você quer milhões de coisas e fica dividido. Às vezes, o portfólio é fruto dessa divisão. É muito freqüente você discutir uma formatação de portfólio e entrar na questão pessoal. Vem muito uma questão de decisão, de escolha de um caminho, de opção profissional, sim.

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Publicado originalmente no site Fotografia Brasileira (aqui).